sexta-feira, setembro 30, 2011

Vida, essa fanfarrona!

Você ficou pouco tempo, mas o suficiente pra mudar muita coisa de lugar. Tive que mudar a mobilia toda. As coisas não se encaixavam mais nos mesmos lugares.
Pensei em você por muito tempo, depois só de vez enquando e agora fazia um bom tempo que eu nem me lembrava. O que não diminue sua importância naquele momento.
Quando te vi, te reconheci, eu já te conhecia, foi fácil e me fez refletir, e se...
Mas o se não joga e eu fui embora. Nada de mais.
Mas você tinha esse problema pra enfrentar a vida de cara limpa.
Oie? Só você? É fácil acusar, né?


Ninguém enfrenta a vida de cara limpa, acredite. A vida, essa fanfarrona que testa os limites e infringe dor e mais dor. E quando a gente pensa que não pode mais aguentar, vem uma nova dor, maior e mais forte e a gente não morre e nem se fortalece, sobrevive.
Algumas pessoas bebem, outras tomam uns remedinhos tarja preta, outras usam drogas ilícitas. São as que precisam de uma mascara palpável, porque tem quem use apenas uma carapaça que impede aproximação, outras se anastesiam desviando o foco para outras prioridades e fingindo nada sentir. Cada um tem o seu próprio método de aguentar a vida, mas não se engane, ninguém brinca de viver impunimente. Já dizia o poeta "cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é...". Todo mundo usa algum artifício, um paleativo, nem que seja só de vez enquando. Tem ainda as pessoas se apegam a religião, afinal, Jesus salva, né? Pelo menos é o que elas acreditam, taí a profusão de igrejas que não me deixam mentir. Não conheço ninguém que consegue encarar a vida de frente e gritar pra ela:

Ei, você! Você mesmo, vida é seu nome, né?
Manda que eu dou conta, vem que eu aguento!!

Não conheço ninguém que faz isso, ou pelo menos que fez e sobreviveu. Conheço uma senhorinha que se refugiou num universo paralelo e lá tá tudo bem, certa ela, pelo menos enquanto ela não perder sanidade e ainda souber o caminho pra voltar de vez enquando, né? Nem que seja só pra pagar as contas.
Você escolheu o mais poderoso artifício. Você se jogou no mais escuro dos precipícios. Eu vi você tentando sair de lá, usando outra muleta pra se manter em pé, mas não acreditei que você conseguisse trocar assim tão fácil. Você parecia decidido. Você procurou ajuda, mas a ajuda que recebeu não era a que vc buscava.
Agora você foge, corre pra algum lugar que nem sabe onde é? Não vê que carrega  consigo toda a dor e todo o medo que te fizeram fugir. Não vê que leva junto toda solidão e desamparo que te colocaram nesse esconderijo. Faz parte de você e de cada um de nós, é a sua história, não tem como apagar, deletar as parte ruins. Não tem como simplesmente não sentir a dor.


A solidão, o desespero, a incompreensão é o que machucam. Mas como pedir compreensão se nem mesmo você se entende? Como estender a mão em busca de alguma coisa que nem você sabe o que é? E agora? Onde você tá? Por onde você anda? Será que você está vivo? Será que ela te levou pra um lugar seguro, aconchegante, confortável? Será que você encontrou um pouco de paz e sossego? Será que você finalmente descobriu que a raiva e o ódio estavam dentro de você e não ao seu redor?
No fim estamos todos sozinhos, sem amor, sem ilusão, sem deus, sem conforto, sem nada. Na hora que a gente partir desse mundo, a única companhia será nossa própria consciência, nossa história. Você com você mesmo. Ninguém pode mudar isso, mas se você resolver ir embora, podia passar pra se despedir, tem gente que se importa, não que isso faça diferença, mas devia...

Um comentário:

Bruno disse...

Não sei se é vida que nos ataca e, covardemente, nos torna tão vulneráveis a ela mesma, tudo ao mesmo tempo. O fato é que a nossa evolução, querendo ou não, fez com que fossemos co-dependentes uns dos outros, somos sociais, de muitas formas. E por termos que viver com tanta gente em volta, invariavelmente, temos que expor nossos pontos fracos. Aí fora isso, vêm as fatalidades da vida em si nos fragilizar ainda mais. E embora falemos hipocritamente que estamos prontos pra outra, cada desafio, mesmo que contínuo, é uma provação. É a porra da vida abrindo as portas da casa dela e dizendo: "Quem quiser ficar, fica, não reclama, é o que tem pra hoje."